Por Jackline Venceslau
foto: Último Segundo/IG
Era mais um dia comum, eu voltava do trabalho às 16h como de costume. Após ter que correr um pouco para não perder o ônibus lotado que me levaria até próximo da minha casa, consegui entrar e me dirigi ao fundo do veículo. Com todos os assentos ocupados, tive que ficar em pé, me segurando nas alças dos bancos. Logo após, eu me posicionar para a viagem, percebi que alguém um pouco mais atrás me olhava. Virei-me para ver se reconhecia aquela pessoa (costumava encontrar muitos conhecidos nessa linha), porém, era uma pessoa que eu nunca havia visto antes: um garoto que abriu um enorme sorriso ao perceber que eu estava olhando para ele. Ele se ofereceu para segurar minha bolsa e eu aceitei, afinal estava muito pesada.
Peguei o meu celular e comecei a ler algumas mensagens que havia recebido, quando fui surpreendida com a pergunta: “Moça, você quer ir à igreja junto comigo?”. Quando levantei os olhos, era aquele mesmo garoto, que estava segurando minha bolsa. Instintivamente, abri um sorriso e perguntei: “E onde fica sua igreja?”, ao que ele logo respondeu com toda convicção: “Perto da sorveteria!”. Existem muitas sorveterias em todo o percurso que aquele ônibus faz, mas percebi que para ele aquele era um ponto de referência muito concreto para localizar igreja que frequentava. “Qual o seu nome?”, perguntou. Respondi e ele me disse que se chamava Bruno.
Conversamos um pouco e ele logo pediu meu telefone e disse que me enviaria uma mensagem no WhatsApp. Só tinha um problema: ele tinha um celular, mas não um Smartphone. Celulares anteriores a essa geração não possuíam esse aplicativo, mas preferi esperar. Logo ele virou todo animado e me disse: “Pronto! Agora é só você me responder!”. Chequei minhas mensagens e não havia nada. Disse para ele, mas Bruno não entendeu, achou que eu simplesmente não queria responder-lhe.
Vagou um lugar em um banco mais à frente, peguei minha bolsa, agradeci e sentei. Mas logo em seguida, senti uma mão tocar meu ombro, era um homem que estava sentado logo atrás de mim, ele apenas apontou para trás como quem dissesse: “Estão te chamando lá atrás”. Quando levantei o olhar, vi o Bruno agitando os braços e pedindo que eu lhe respondesse. Ao passar os olhos pelo ônibus pude perceber muitas risadas sarcásticas e olhares preconceituosos. Bruno tem síndrome de Down, o que não o torna diferente de qualquer outro ser humano. Mas aquelas pessoas não estavam preparadas para perceber isso: sofriam de uma necessidade especial – não tinham nem sensibilidade, nem inteligência, nem bom senso, nem altruísmo.
Logo chegamos ao ponto final do ônibus e, quando me viu descer, Bruno puxou sua mãe para perto de mim. Ela passara a viagem toda na parte da frente do ônibus, sem sequer notar qualquer movimento que ele fizesse. Ela tentava convencê-lo a ir em outra direção, mas ele estava determinado a levá-la até mim. Ao chegar mais perto, ela abriu um sorriso sem graça e me pediu desculpas. Eu disse a ela que não havia motivo algum para ela estar se desculpando, afinal ele não havia me feito nada. Conversamos alguns minutos e descobri que eles moravam próximo à minha casa. Soube também que o Bruno tinha 18 anos, tocava bateria e estudava na APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais).
Despedimo-nos, eles seguiram caminho e de longe eu o ouvi falar: “Mãe, você viu como ela é bonita?”. Abri um sorriso e pela primeira vez, desde o momento em que entrei naquele ônibus, percebi que ele havia me paquerado o caminho inteiro.
*Crônica produzida para o jornal acadêmico "Jornal XXI"
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