Conheça Tom Vida Livre, artista plástico da periferia de Guarulhos que conquista espaço nos corações e paredes paulistas
“Acreditar que sonhar sempre é preciso: é o que mantém os irmãos vivos”, este trecho da música “A vida é desafio”, do grupo Racionais MC’s, é o que vem à mente sempre conversamos por algum tempo com Ivanilton Amaro dos Santos, ou simplesmente Tom Vida Livre, como é conhecido por muitos. Atualmente com 32 anos, ele cresceu e construiu sua vida na periferia da cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, onde também está localizado o ateliê que possui em parceria com o artista Hendrel Chosen.
“Um cara do bem e um menino cheio de sonhos”, estes foram alguns dos adjetivos usados por ele quando o questionei sobre quem de fato era o Tom, enquanto Tiago Iorc tocava ao fundo de nossa conversa. Muralista, grafiteiro e artista plástico, essas são algumas das profissões que acumulou durante a vida. Com inspirações em Os Gêmeos, Walt Disney, Steve Jobs e Silvio Santos, Tom é um dos artistas plásticos brasileiros que sobrevivem nas periferias paulistas, lutando por espaço.
Começou a sua vida profissional aos 13 anos, como vendedor em um pet shop, ao mesmo tempo em que se descobria como artista durante as aulas escolares. O apego aos desenhos era tão grande, que deixava de lado as tarefas de outras disciplinas, o que não agradava muito aos pais.
Quando criança era um dos alunos considerados problemáticos na escola. Depredava o prédio e as suas estruturas. Mas, antes de se formar, em 2005, tudo mudou. “Antes de eu sair da escola, já gostava muito do grafite, mas ainda não grafitava nas ruas. Então, eu me regenerei, senti que precisava fazer algo pra mudar tudo aquilo que eu fiz. Foi aí que eu desenvolvi um projeto de grafite dentro da escola”, relembra. Neste mesmo ano, Tom fez o seu primeiro grafite na rua, aos 18 anos.
Uma semente em solo fértil
Com talento para as vendas, foi neste segmento em que ele obteve suas mais longas experiências, de imóveis a roupas e perfumes. Foi também esta habilidade que somada ao talento artístico que o ajudaram a encontrar um rumo, em 2010, quando havia acabado de se casar e estava desempregado.
Com R$150 reais no bolso e contas a vencer, ele queria ser empresário. “Eu pensei: vou investir. Mas, no quê? Passava as horas, dormia pensando nisso. Eu queria uma coisa nova, mas que não me custasse muito”, relata. Então, o novo negócio surgiu: a venda de garrafas personalizadas. Ele recolhia garrafas de vidro de bares que pertenciam a pessoas conhecidas, pintava à mão e vendia cada uma a R$15reais. O custo de produção era de R$5 reais por unidade. A meta era vender dez garrafas por dia, totalizando R$150 reais. Destes, R$50 reais para produzir mais produtos e R$100 para os lucros.
“Foi aí que eu descobri que eu não ficaria desempregado nunca. Se eu precisar hoje, eu vendo garrafas. Tanto que hoje, eu vendo latas vazias de spray grafitadas”, afirma. Isso foi o suficiente para manter Tom e sua esposa, Miriã Caetano - com quem fala com os olhos escuros apertadinhos enquanto sorri, por um tempo. Um tempo depois, ele fez a tentativa de trabalhar em uma empresa metalúrgica e até fez um curso de fabricação de perfumes, logo em seguida, iniciou a produção e as vendas, o negócio seguiu até meados de 2016.
Paralelamente, Tom já fazia grafites como uma forma de também ganhar dinheiro. “Eu fazia um, o pessoal gostava e perguntava: ‘quanto você cobra pra fazer lá em casa?’, eu dizia que tinha tinta em casa e faria de graça. Mas, depois eu comecei a perceber que dava para eu ganhar dinheiro”, relata.
Ainda em 2016, passou alguns meses vendendo roupas com um amigo. Mas, com o tempo viu que isso não o pertencia, precisava se dedicar ao que de fato amava. A partir daí, Tom deu seus passos em direção à arte e nunca mais voltou aos empregos convencionais.
A identidade artística
Por muito tempo, houve uma resistência de sua parte em se assumir como artista. “O pessoal me chamava de artista, mas eu não queria aceitar, achava muito forte. Eu não me nomeava, falava só que ‘pintava algumas coisas’, mas com o tempo eu percebi que eu sou mesmo. Eu vivo disso”, confirmou.
Filho de pais cristãos, Tom passou a vida lidando com os dilemas entre as loucuras ofertadas pela vida e sua religiosidade. Passou a adolescência longe da religião. Drogas, festas e curtição eram sua rotina. Mas, com o passar do tempo, viu que sua conexão com Deus faria total diferença tanto em sua vida pessoal, como em suas criações. “O que eu precisava realmente na minha vida era de Deus e eu sabia disso. Não era a igreja em si, não era um lugar, era um encontro pessoal. Foi em 2010 que eu tive isso e passei a assinar como Tom Vida Livre. Eu entendi, que eu tinha uma vida livre em Cristo”, relembra.
Esta liberdade e amor ao que faz pode ser notada em todas as obras de tom. O seu personagem principal, que nos dá ar da graça em praticamente todas as obras, é uma representação de si próprio com a cabeça aberta. Isso representa a liberdade de vida, de ideias que ele carrega consigo.
Em muitos momentos, o artista não recebeu o apoio total de seus pais e sua companheira. Entretanto, isso nunca o fez parar. “O sonho é meu, eu sou casado sim, mas esse é o meu sonho. Eu sempre gostei disso. Vida livre é liberdade de escolha”, relata o artista com o grande sorriso que sempre aparece ao falar sobre os seus planos para o futuro.
Legado do bem
Tom sempre fala de seus sonhos, seus olhos brilham a cada palavra dita sobre sua arte. A todo momento, sempre reforça que além de dar uma vida confortável a seus pais e a sua esposa, ele quer deixar um legado do bem. Ajudar o próximo está em sua herança familiar. Ele conta que tem lembranças, de que quando criança, seus pais abrigarem amigos que não tinham para onde ir. Essa semente germinou em seu coração.
A todo momento, durante a nossa conversa, Tom reforçou que não é só com dinheiro que se produz boas ações. Pode ser com tempo, trabalho, disposição. Ele dá aulas de arte gratuitamente para crianças em uma ONG e pinta quadros para que a instituição leiloe e arrecade fundos.
Hoje, Tom participa de diversos eventos, é convidado a expor suas obras em feiras e exposições no estado de São Paulo. Além de ser considerado uma referência artística em sua região, e é convidado para falar para jovens em programas de rádio regionais, palestras e eventos.
Sonhos, amor, fazer o bem e ajudar o próximo são as atitudes que mais definem Ivanilton Amaro dos Santos. “Sempre fui sonhador, é isso que me mantém vivo”, mais um trecho da música “A vida é desafio”, que ilustra toda a trajetória de Tom Vida Livre.
*perfil produzido para a disciplina acadêmica de Jornalismo Literário
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