Por Jackline Venceslau
fonte: Catraca Livre
Recentemente, ouve-se muito sobre as ocupações que estão ocorrendo no país. Essa onda de manifestações atinge escolas, universidades, prédio públicos e tem impactado a rotina desses ambientes e de muitos brasileiros.
Fernanda Curti, 22 anos, estudante. Representante de um grupo que realiza ocupações em Guarulhos conversou conosco para explicar como funcionam as ocupações, quais são as rotinas e seus objetivos. O grupo já ocupou escolas, recentemente a Câmara de Guarulhos e atualmente ocupa o prédio da UNIFESP, no Bairro dos Pimentas.
JACKLINE: PRIMEIRAMENTE, COMO VOCÊS SE AUTODENOMINAM?
FERNANDA: Esse não é um movimento só de estudantes, é um movimento composto por artistas da cidade, jovens de partidos, estudantes universitários, secundaristas, anarquistas, socialistas, petistas. Enfim, é uma frente de esquerda que a gente criou, de jovens, manifestando contra a PEC. Título de manifestante, ocupante, vem em consequência. É uma frente em defesa dos direitos.
J: QUANTOS ATOS JÁ REALIZARAM, INCLUINDO AS OCUPAÇÕES?
F: Fizemos muitas aulas públicas, não sei te dar um número exato. Dentro das ocupações aconteceram muitas. Por exemplo: quando ocupamos a Câmara, a primeira coisa feita foi a aula. Fizemos também “Rolê Cultural”, com os artistas da cidade. Aconteceu também o “Slam da Ocupa”, com poesias que o pessoal fez, batalhas sobre a ocupação e a situação do país.
J: COMO SÃO FEITAS AS OCUPAÇÕES? COMO SÃO DIVULGADAS?
F: De início, nada é divulgado. Começou com um grupo de amigos, cada um em uma frente. Temos amizades com todas essas pessoas, do movimento cultural, anarquistas, etc. Só conversamos olho a olho, com um grupo fechado para conseguirmos realizar a ocupação da Câmara. Então, quem está de fora nunca saberá qual será o próximo, só saberão o porquê. Depois que começa, a gente divulga, geralmente acionamos as mídias alternativas. Falamos com a Mídia Ninja e os Jornalistas Livres.
Na ocupação da Câmara, a grande mídia apareceu, porque chamaram a Polícia e a Guarda Civil, então a notícia correu. Há também, a página no Facebook “Ocupa Unifesp”, com toda a programação e um pedido de ajuda para a população.
J: QUAL É A ROTINA DENTRO DE UMA OCUPAÇÃO?
F: É muito mais do que aula e palestra, porque fugimos de todo o ambiente acadêmico. Nós nos dividimos em comissões: comissão da cozinha, da limpeza, da segurança. Existem assembleias gerais, com os ocupantes e também com todos que colaboram. Até crianças que ficam “soltas” pelo Bairro dos Pimentas entram lá e fazemos atividades com elas também. É uma ocupação de resistência, mas também de transformação do que é a universidade, porque estamos também pautando um novo modelo de universidade pública, sobretudo.
J: VOCÊ CITOU QUE EXISTEM PESSOAS QUE PASSAM TODO O TEMPO DENTRO DA OCUPAÇÃO. E QUANTO AS DEMAIS? PESSOAS QUE TRABALHAM OU ESTUDAM EM OUTROS LUGARES, COMO ELAS PARTICIPAM DO MOVIMENTO?
F: Diferente da Câmara, que chegou um momento que fecharam as portas e ninguém mais podia entrar, na Unifesp, a gente tem o controle de tudo. Então somos nós que liberamos a entrada e saída do pessoal. Essas pessoas que são rotativas vão e nos ajudam em alguma coisa, contribuem, participam de um debate, depois vão embora, estamos liberando a entrada. Quem está com esses controles são as pessoas que estão morando lá dentro, que por incrível que apareça, não são em sua maioria estudantes. A maior parte é a população, ocupando um espaço que é nosso por direito.
J: COMO SÃO SUPRIDAS AS NECESSIDADES BÁSICAS DOS OCUPANTES?
F: Estamos fazendo campanha, pedindo doações na internet. Sindicatos tem ajudado muito, a própria comunidade também. Os estudantes que frequentam as atividades, sempre levam alguma doação. Estamos nos mantendo dessa forma.
"Estamos sempre preparados para o pior. Mesmo na Câmara, depois de desocupada, fizemos uma avaliação e saímos no momento mais apropriado. Porque os manifestantes começaram a adoecer lá dentro e também o juiz havia determinado que todos fossem detidos, inclusive o presidente da Câmara."
J: AGORA VOCÊS ESTÃO EM UM PRÉDIO FEDERAL. MAS COMO É A RELAÇÃO DE VOCÊS COM A POLÍCIA MILITAR? VOCÊS TEM MEDO DE SEREM RETIRADOS À FORÇA?
F: Estamos sempre preparados para o pior. Mesmo na Câmara, depois de desocupada, fizemos uma avaliação e saímos no momento mais apropriado. Porque os manifestantes começaram a adoecer lá dentro e também o juiz havia determinado que todos fossem detidos, inclusive o presidente da Câmara. Porém, a PM não apareceu na Unifesp.
J: EXISTE ALGUM CRITÉRIO PARA PARTICIPAR DOS ATOS?
F: Os únicos critérios são: estar contra a PEC [241], ter a curiosidade de saber em quê irá nos atingir. Todos que estão dentro desses critérios estão convidados. Mas sempre tomamos cuidado com o MBL (Movimento Brasil Livre), não deixamos entrar, porque eles querem um movimento de desocupação. Além dos machistas, qualquer cara que tenha histórico de agressão com qualquer menina que esteja lá, não entra. Homofóbicos e racistas também não.
J: RECENTEMENTE, DURANTE A OCUPAÇÃO DA CÂMARA, FORAM DIVULGADAS IMAGENS DE UMA CÂMERA DE SEGURANÇA DE DENTRO DO PLENÁRIO. AS IMAGENS MOSTRARAM CASAL FAZENDO SEXO DURANTE O PERÍODO DE OCUPAÇÃO. O QUE VOCÊ TEM A DIZER SOBRE ISSO? FOI TOMADA ALGUMA POSIÇÃO A RESPEITO?
F: Sim. Não eram menores de idade e não houve sexo, nada disso, as imagens foram editadas. Inclusive, as duas pessoas irão processar a Câmara por ter exposto e distorcido essas imagens dessa maneira. Até porque lá, não tem lugar nem para tomar nem um banho, quanto mais fazer sexo. Dormíamos no chão.
J: NESSAS REPORTAGENS TAMBÉM FOI DIVULGADO QUE HAVIA UMA CRIANÇA PASSANDO AO FUNDO NAS IMAGENS. QUAL O PROCEDIMENTO PARA A PARTICIPAÇÃO DE MENORES NO ATO?
F: Durante as atividades e aulas públicas, é aberto. Mas para ocupar, geralmente as mães estão sabendo e liberam. Porém, nós evitamos, até por conta dos confrontos com a polícia e também para preservá-los. A Polícia está nos marcando, estão tirando fotos dos nossos rostos e indo nos procurar. Já aconteceu muitas vezes, inclusive comigo. Com um menor na ocupação, essa responsabilidade é nossa e então, estamos tentando nos preservar.
J: RECENTEMENTE, UM PAI MATOU O PRÓPRIO FILHO PORQUE NÃO ACEITAVA A PARTICIPAÇÃO DO FILHO EM MOVIMENTOS SOCIAIS E SE SUICIDOU LOGO EM SEGUIDA. QUAL A RELAÇÃO DE VOCÊS COM OS PAIS DOS OCUPANTES?
F: Muita gente acha que jovens juntos é sexo, drogas e rock ‘n roll. Como se a gente não produzisse, não criasse, não fizéssemos nada. A nossa relação com os pais vem num sentido de aproximação, por isso estamos abrindo nossas atividades para a população. O pai que quiser saber o que o filho está fazendo, vai lá. As nossas mães participam bem agora desse movimento, mesmo que seja de casa, ajudando, doando um cobertor ou alguma outra coisa.
J: O ALVO PRINCIPAL DE VOCÊS É A PEC DOS GASTOS E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO. MAS, QUAIS SÃO OS OUTROS PONTOS QUE VOCÊS DEFENDEM?
F: Primeiro, vivemos em um governo ilegítimo. Esse já é um motivo suficiente para irmos às ruas. Segundo, que está nítido o projeto que eles querem para o Brasil. Estamos fazendo a resistência contra a PEC, porque é o que está em votação. Esse governo ilegítimo e conservador, vai adotar uma política econômica que será necessário que voltemos a extrema pobreza. Assim como a escravidão foi uma política econômica, a miséria também é uma política econômica. É preciso ter o pobre e o rico. Isso vai intensificar, já podemos perceber pela quantidade de cortes que houveram. Por exemplo, os 27 médicos cubanos que tínhamos em Guarulhos, foram embora. Todo esse projeto neoliberal, onde você continua beneficiando somente os banqueiros, os ricos. Também aqueles deputados que votaram a favor: PMDB, PSDB, todos esses partidos que se aliaram ao golpe e que foram patrocinados pela FIESP. Contra tudo isso, estamos batendo de frente.
J: VOCÊS ESTÃO DEFENDENDO ESSAS QUESTÕES, PORQUE DIZEM QUE CASO APROVEM FICARÁ PIOR. PORÉM, A SITUAÇÃO ATUAL JÁ É PRECÁRIA. VOCÊS TEM ALGUMA PROPOSTA A APRESENTAR?
F: Poder popular, conquistar de novo a legitimidade da nossa escolha de quem vai governar. Mas, além disso, precisamos decidir muito mais. Eu sou petista, reconheço que todas as táticas e todos os avanços que nós tivemos, que são inclusive o motivo do golpe, só que hoje precisamos tratar com a população de outra forma. Hoje, as manifestações populares já estão deixando nítido, as últimas eleições também, que esse nosso sistema político não serve mais. A ponto de João Dória vencer, mas perder para o número de votos brancos e nulos. Aconteceu também em Guarulhos e em outras cidades. Caracteriza uma insatisfação da sociedade civil com o sistema político. É necessária uma reforma política sim, mas não com esse governo pautando.
J: POR QUE VOCÊS OPTARAM POR OCUPAÇÕES AO INVÉS DE MANIFESTAÇÕES DE RUA?
F: Bom, nossa linha é de “ocupa tudo”, prédio, rua, tudo. Ocupar prédios públicos e mostrar que é nosso.
J: O QUE É MAIS DESMOTIVADOR: A BOA PARTE DA POPULAÇÃO QUE NÃO ENTENDE E SE POSICIONA CONTRA O MOVIMENTO OU AS AUTORIDADES QUE CRIMINALIZAM E NÃO DÃO VOZ A VOCÊS?
F: Tudo é um desafio, mas nosso grupo é de grande maioria negra, LGBT, mulher. Então nossa história já se constrói na luta, não temos tempo de ficar desmotivados. Se a gente parar e nos desmotivar, recebemos outro golpe. O que posso te responder é o que nos motiva. O que nos motiva é termos um sonho coletivo, entender que só a luta muda a vida e a forma que um vai empoderando o outro. É muito estressante, desgastante e arriscado, mas se não fizermos nada, os caras deitam e rolam. Se a população está contra, é trabalho de base, trabalho de formiga. Talvez dê resultado daqui a vinte anos ou pode ser na próxima eleição, mas vamos continuar fazendo esse movimento ser cada vez maior.
J: COMO VOCÊS LIDAM COM OS ALUNOS DAS ÁREAS OCUPADAS, QUE SÃO CONTRA E QUE QUEREM ESTUDAR? VOCÊS PROIBEM ELES DE ENTRAR?
F: Não, de forma alguma. Estamos tentando buscar o diálogo, os fazer entender que se essa PEC passar a faculdade corre risco de ser fechada e então esse semestre perdido, não teria importância alguma. Por isso as aulas públicas, explicando o que é a PEC, atingir um grande número de pessoas.
*Texto produzido para a disciplina de Introdução ao Jornalismo
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